70 Genes ligados ao AUTISMO

70 Genes ligados ao AUTISMO

A descoberta, feita a partir da análise genética de mais de 150.000 pessoas, surgiu da colaboração de cinco grupos de pesquisa, cujo trabalho foi comparar coortes de pacientes com transtorno do espectro autista a outras coortes de pacientes com atraso de desenvolvimento ou esquizofrenia.

"Sabemos que, quando sofrem mutações, muitos genes contribuem para o autismo", e esse estudo reuniu "vários tipos de mutações em uma ampla variedade de amostras para obter uma noção enriquecida dos genes e da arquitetura genética que participam do autismo e de outras doenças do desenvolvimento neurológico", disse em uma declaração o coautor sênior, Dr. Joseph D. Buxbaum, Ph.D., diretor do Seaver Autism Center for Research and Treatment no Monte Sinai e professor da Icahn School of Medicine at Mount Sinai, ambos nos Estados Unidos.

"Isso é significativo, pois agora temos mais conhecimento sobre a biologia das mudanças cerebrais que sustentam o autismo e mais potenciais terapêuticos", disse o Dr. Joseph.

O Dr. Glen R. Elliot, Ph.D., médico e professor de psiquiatria na Stanford University, que não participou do estudo, disse que o artigo é importante para atualizar os médicos em relação à pesquisa básica. "O caminho ainda será longo" antes de render frutos em termos de terapêutica. O valor de estudos como esse, que investiga quais genes são os mais associados ao transtorno do espectro autista, é trazer conhecimento sobre as vias cerebrais que dão origem a determinados sintomas da doença, e que podem então se transformar alvos terapêuticos, disse Dr. Glen.

Investigando grandes coortes

Os pesquisadores analisaram dados de sequenciamento genético de exomas de 33 coortes de pacientes com transtorno do espectro autista, totalizando 63.237 pessoas, e compararam esses dados aos de uma coorte de pacientes com atraso de desenvolvimento e aos de outra coorte, de pessoas com esquizofrenia. As coortes combinadas do transtorno do espectro autista continham 15.036 pacientes com a doença, 28.522 progenitores e 5.492 irmãos sem a doença. Os demais participantes foram 5.591 pessoas com transtorno do espectro autista e 8.597 controles pareados de estudos de casos com controles.

Na coorte do espectro autista, os pesquisadores identificaram 72 genes associados ao quadro. As variantes de novo foram oito vezes mais prováveis nos casos (4%) do que nos controles (0,5%). Dez genes ocorreram pelo menos duas vezes nos casos de transtorno do espectro autista, mas nunca em irmãos sem a doença.

Então os pesquisadores integraram esses dados genéticos do transtorno do espectro autista a uma coorte de 91.605 pacientes, dentre os quais, 31.058 com atraso de desenvolvimento e respectivos progenitores. Existe uma sobreposição substancial, com mutações genéticas entre estas duas coortes: 70,1% dos genes relacionados com o atraso de desenvolvimento apareceram ligados ao risco de transtorno do espectro autista, e 86,6% dos genes associados ao risco de transtorno do espectro autista também apresentaram associação com atraso de desenvolvimento. No geral, os pesquisadores identificaram 373 genes fortemente associados ao transtorno do espectro autista e/ou atraso de desenvolvimento e 664 genes com provável associação.

"Isolar genes que exercem maior efeito no transtorno do espectro autista do que em outros atrasos de desenvolvimento tem sido um desafio, devido à frequente concomitância desses fenótipos", escreveram o primeiro autor, Jack M. Fu, do Massachusetts General Hospital e da Harvard Medical School, nos EUA, e seus colaboradores. "Ainda assim, estima-se que 13,4% da transmissão e da associação pela primeira vez dos genes do transtorno do espectro autista mostrem poucas evidências de associação na coorte de atraso de desenvolvimento".

Transtorno do espectro autista, atraso de desenvolvimento e esquizofrenia

Quando os pesquisadores compararam as células onde ocorreram as mutações genéticas nos cérebros fetais, descobriram que os genes associados ao atraso de desenvolvimento ocorreram mais frequentemente em tipos de células menos diferenciadas – células menos maduras no processo de desenvolvimento. As mutações genéticas associadas ao transtorno do espectro autista, por outro lado, ocorreram em tipos de células mais maduras, particularmente em neurônios excitatórios amadurecidos e células relacionadas.

"Nossos resultados são compatíveis com os genes predominantes no atraso de desenvolvimento sendo expressos mais cedo no desenvolvimento e em células menos diferenciadas do que os genes predominantes no espectro do autismo", escreveram.

Os pesquisadores também compararam as mutações genéticas específicas encontradas nessas duas coortes com um conjunto de 244 genes previamente publicado e associado à esquizofrenia. Destes, 234 genes estão entre aqueles com transmissão e nova associação ao transtorno do espectro autista e/ou ao atraso de desenvolvimento. Dos 72 genes ligados ao transtorno do espectro autista, oito aparecem no conjunto de genes ligados à esquizofrenia, e 61 foram associados ao atraso de desenvolvimento, embora estes dois subconjuntos não se sobreponham muito uns aos outros.

"A superposição entre o transtorno do espectro autista e a esquizofrenia foi significativamente enriquecida, enquanto a superposição com o atraso de desenvolvimento não foi", descreveram os autores. "Juntos, esses dados sugerem que um subconjunto de genes de risco para transtorno do espectro autista pode se sobrepor ao atraso de desenvolvimento, enquanto um subconjunto diferente se sobrepõe à esquizofrenia".

Perseguir alvos terapêuticos usando o algoritmo de busca em profundidade para os genes

Os achados são um avanço substancial na compreensão da potencial contribuição genética para o transtorno do espectro autista, mas também destacam os desafios de tentar acabar usando essa informação de forma clinicamente significativa.

"Dada a significativa superposição entre os genes implicados em distúrbios do desenvolvimento neurológico em larga escala e os genes implicados diretamente no transtorno do espectro autista, deslindar o impacto relativo de cada gene no desenvolvimento neurológico e nos espectros fenotípicos é um desafio assustador, porém importante", escreveram os pesquisadores. "Identificar as principais caraterísticas neurobiológicas do transtorno do espectro autista provavelmente exigirá a convergência de evidências de muitos genes e estudos sobre o transtorno do espectro autista".

O Dr. Glen disse que o mais importante deste estudo é o aprimoramento da compreensão sobre como o paradigma saiu de encontrar "um gene" para o autismo ou uma cura genética, para compreender a fisiopatologia dos sinais e sintomas que possam indicar vias terapêuticas para o melhor controle da doença.

"Os pesquisadores em ciência básica mudaram completamente a estratégia para tentar entender a fisiopatologia dos principais distúrbios", incluindo, neste caso, o autismo, disse o Dr. Glen. "O objetivo é tentar encontrar os sistemas subjacentes [no cérebro], usando o algoritmo de busca em profundidade para os genes. Enquanto isso, dado que os cientistas fizeram progressos substanciais na identificação dos genes que têm efeitos específicos no desenvolvimento cerebral, "a esperança é que isso irá se encaixar com este tipo de pesquisa, para começar a identificar sistemas que possam, em última análise, constituir alvos terapêuticos".

O objetivo é conseguir oferecer abordagens específicas, embasadas nas vias que causam um sinal ou sintoma, que possam ser relacionadas com um gene.

"Portanto, isso não trará uma cura imediata – provavelmente nem vai oferecer uma cura –, mas pode levar a medicamentos muito mais direcionados do que o que temos atualmente para tipos específicos de sinais e sintomas dentro do espectro do autismo", disse o Dr. Glen. "O que eles estão tentando fazer, em última análise, é dizer que, quando este sistema é muito atingido por uma anomalia genética, mesmo que essa anomalia genética seja muito rara, causa esses tipos específicos de sintomas. Se descobrirmos os neurorreguladores dessa mudança, então esse seria o alvo – mesmo na ausência desse gene."

A pesquisa foi financiada pela Simons Foundation for Autism Research Initiative, SPARK project, National Human Genome Research Institute Home, National Institute of Mental Health, National Institute of Child Health and Development, AMED e pela Beatrice and Samuel Seaver Foundation. Cinco autores informaram relações financeiras com as empresas Desitin, Roche, BioMarin, BrigeBio Pharma, Illumina, Levo Therapeutics e Microsoft.

Este conteúdo foi originalmente publicado no MDedge.com – Medscape Professional Network.

FONTE:
https://portugues.medscape.com/verartigo/6508476?src=mkm_ret_220912_mscpmrk-OUS_TreAlert_PT&uac=436674FY&impID=4621966&faf=1#vp_1